A Lagarta Voadora
Saudações!
Neste post, completa-se um mês de blog e da assiduidade que, confesso, têm surpreendido até a mim. Agradecendo a todos que por deliberação, curiosidade ou simplesmente complacência, têm acompanhado os posts. Tenho ficado feliz com o feedback, e já deu até pra ver trechos dos poemas compartilhados, coisa que é inexplicável. Um super obrigado a vocês, amigos leitores!
E hoje, uma crônica que escrevi há algum tempo, o primeiro texto em prosa do blog. Pois o blog é um sonho realizado. E nossos sonhos devem mirar grandes voos...
A Lagarta Voadora
Neste post, completa-se um mês de blog e da assiduidade que, confesso, têm surpreendido até a mim. Agradecendo a todos que por deliberação, curiosidade ou simplesmente complacência, têm acompanhado os posts. Tenho ficado feliz com o feedback, e já deu até pra ver trechos dos poemas compartilhados, coisa que é inexplicável. Um super obrigado a vocês, amigos leitores!
E hoje, uma crônica que escrevi há algum tempo, o primeiro texto em prosa do blog. Pois o blog é um sonho realizado. E nossos sonhos devem mirar grandes voos...
A Lagarta Voadora
Nunca fui muito fã de fábulas, pois a mais remota ideia de animais
falarem sempre me assustou. Leões e seus súditos, tartarugas e coelhos,
formigas e gafanhotos, todos falantes, certamente é uma cena que, se caso
presenciada por qualquer assíduo leitor destas histórias, o faria correr como
nunca antes na vida.
Pois bem, resolvi escrever esta por algum motivo nobre, que poderia transmitir
alguma boa mensagem. E também, não nego, algum resquício de admiração que
algumas espécies animais cativam nas pessoas.
Gabriel era uma lagarta macho comum, como tantas outras lagartas machos comuns.
E ser uma lagarta macho comum significa ter um ciclo de vida, assim como todo
ser vivo. Porém, diferente de nós seres humanos, este ciclo é um pouco mais
complexo que o nosso nascer - crescer – reproduzir – morrer (não vou incluir
seus derivados sociais, como rebelar-se com os pais, ficar, namorar, brigar,
casar, arrumar emprego, estudar, sair do emprego, divorciar, procurar
apartamento, envelhecer, pegar pneumonia, enfrentar fila do INSS, etc.). Este
ciclo, para as lagartas, é designado da seguinte forma: nascer lagarta,
crescer, metamorfosear-se, virar borboleta, reproduzir-se e morrer borboleta.
Sabendo disso, é bom enfatizar que, no mundo das lagartas, toda sua vida se
trata de uma preparação visando a transição para a forma de borboleta: a
borboleta é colorida, austera, bela, suntuosa, inteligente – convenhamos, um
pouco arrogante -, e; principalmente, voa! A qualidade com a qual todas as
lagartas mais sonhavam: a habilidade de cortar o céu com um simples bater de
asas. Ser uma borboleta, para as lagartas, é o equivalente, para um ser humano,
a ser um bilionário, morando numa casa em Bora Bora, no meio de uma rave com
open bar eterno. Mas no mundo das lagartas, TODAS elas sabem que chegarão ao
ápice da existência, já que a metamorfose é uma condição irrefutável da
natureza. Infelizmente, essa vida em Bora Bora não é para nós.
Entretanto, Gabriel chegou a sua fase de metamorfose, e não se metamorfoseou.
Esperou mais alguns dias (na percepção das lagartas, claro), e nada aconteceu.
Algo tinha ocorrido.
Resolveu, então, ir a um médico de lagartas – se elas falam, porque não
poderiam viver em um sistema de sociedade estruturada? -, mas ninguém sabia
qual era o seu mal. Após incontáveis estudos e exames, enfim, veio o resultado:
- Doutor, o que há de errado comigo?
O diagnóstico foi arrebatador:
- Você é a primeira lagarta da história que eu encontro com uma anomalia
genética, que o impede de se transformar em borboleta.
- Como assim doutor? Esperei minha vida inteira para isso!
- Sinto muito filho. É irreversível. Agora me dê licença, que estou atrasado
para minha aula de pilates.
Gabriel, não preciso dizer, ficou arrasado. Não sabia o que fazer. Se não seria
borboleta, o que faria com aquela sombra de vida que lhe restara? Tentou se
matar diversas vezes, todas sem êxito. No momento crucial, sempre desistia.
Até que um dia, quis se jogar de uma ponte, a mais alta da cidade. Chegou em
sua borda, e decidiu-se. Hesitou. Decidiu-se novamente. Mais uma vez desistiu.
Só então, domado de certa fúria por ser tão previsível, pulou. Mas não chegou
até a água corrente do rio. Seu tornozelo esquerdo tinha se enroscado na corda
elástica de contensão da ponte. Foi e voltou, umas três vezes, como um ioiô. Primeiramente,
amaldiçoou sua sorte, pois nem se suicidar de um jeito tão simplório
conseguira. Em seguida, logo após encerrada a agonia ante morte, sentiu prazer.
Voara, por alguns segundos, sem ser borboleta. Tinha acabado de inventar o bungee
jump.
E essa ideia o incitou, pois foi à ponte diversas vezes para repetir a
experiência. As borboletas riam, pois aquilo não era voo, mas um simples pulo
com elástico nos pés (nome dado ao salto inventado por Gabriel). Nunca
alcançaria a altura que as borboletas conseguem. Mas Gabriel adorava a sensação
do Pulo Com Elástico Nos Pés, independente da opinião presunçosa das amigas
voadoras.
Então, ainda com o sonho de voar, teve outra ideia: criou um dispositivo, feito
de tecido impermeável ao ar, com a forma de um semicírculo, que amarrada
através de cordas em uma mochila, poderia amortecer qualquer tipo de queda (nós
chamamos de paraquedas, lá chamaram de “A Incrível Invenção De Gabriel Para
Quem Quer Voar E Não É Borboleta”). Então, subia em qualquer altura e podia
pular, sem se preocupar em cair e estatelar-se no chão. Adorava ainda mais que
o Pulo Com Elástico Nos Pés. Mas, ainda assim, as borboletas riam. Pois, de
fato, não estava voando; mas caindo. O que não o incomodava nem um pouco.
- Vai cair hoje Gabriel? – Diziam as borboletas
- Ah se vou! - Respondia Gabriel, ostentando certo tom de orgulho na voz.
Foi aí que teve a maior de suas ideias: com o mesmo tecido impermeável, criou
um traje, totalmente adequado ao seu corpo. Tinha asas e uma armação de fibra de
poliurenetanobilombino (aqui ainda não existe, mas saiba que é um polímero à
base de petróleo, muito mais resistente que o aço, porém muito mais leve que
penas de ganso), com o qual podia simplesmente pular de uma pequena distância e
voar. Livre! Sem cordas ou mochilas. E ainda mais rápido que as borboletas, com
seu voo errático, descompassado e disforme. Era a melhor sensação que ele já
tinha sentido na vida, sem nenhuma comparação.
Foi então que virou a maior celebridade do mundo das lagartas. Ficou rico. Era
convidado para coquetéis de luxo e jantares, com autoridades da alta cúpula,
tanto da esfera das lagartas quanto das borboletas. Participava de programas de
entrevistas e reality shows. Ganhou uma estátua no Cater Square Garden,
com a imponência de 80 centímetros. Foi eleito a Lagarta do Século.
Todavia, num belo domingo de outono, acordou com fortes dores no estômago. Como
agora nadava em dinheiro (literalmente, tinha uma piscina de dinheiro, pois as
lagartas também adotam um sistema de câmbio similar ao nosso), resolveu ir ao
melhor médico que existia:
- Doutor, acordei com uma dor insuportável hoje.
- O que aconteceu senhor Gabriel? Ressaca novamente?
- Não, ontem não bebi... Fui dormir cedo.
- Huuum, sei não... Acho melhor fazermos alguns exames.
E Gabriel partiu mais uma vez para uma ardilosa bateria de intermináveis
exames. E, após realizados tais exames, da forma mais meticulosa que o dinheiro
pode pagar, Gabriel recebeu o segundo maior susto de sua vida:
- Parabéns Gabriel! Você será uma borboleta!
E, realmente, ele estava se metamorfoseando. Na verdade, sua anomalia genética
não anulava, mas somente atrasava a transformação, segundo a explicação do
médico.
- Não sei o que dizer doutor! Sempre esperei este momento, mas agora... Bem... Não
sei...
- Você vai ver, sua vida só vai melhorar!
E Gabriel acabou aceitando bem sua tardia metamorfose. Afinal de contas, agora
seria uma borboleta! Enclausurou-se em seu casulo, passou por enormes
transformações físicas, e sentiu dores extenuantes por todo o processo. Para,
em seu fim, tornar-se uma das mais belas borboletas: suas asas eram enormes, de
uma mescla de anil, azul-turquesa e dourado, de fazer inveja a qualquer
borboleta existente.
Assim, resolveu dar seu primeiro voo como borboleta. Foi subindo, subindo, como
se não houvesse cansaço ou limite. Quando alcançou sete metros, sentiu saudade
de seu traje, que era muito mais rápido e ágil. Então, desceu para perto do
solo, um tanto desanimado. Foi quando, num súbito movimento, em questão de décimos
de segundo, se viu atrelado a algo viscoso, grudento e muito forte. Era uma
língua. Fora devorado por um sapo.
Em seu último pensamento, apenas a vontade de ser lagarta, para voar em seu
traje novamente.
Como toda fábula, esta deve vir acompanhada de uma moral. Então, pensei
em várias mensagens para esta história, como: “Nunca desista de seus sonhos por
motivos alheios a tua exclusiva vontade”. Ou: “É na aversão que encontramos os
melhores caminhos”. Ou até mesmo: “Não vire borboleta até ter extrema certeza
do que você é”... Mas a que mais se aplica, e não sei se concordam comigo, é:
“Muitas vezes, somente seus sonhos te levam a lugares inexplorados; mas poucas
vezes você poderá não ser engolido pela realidade”.
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