Conquista

Em mais um daqueles discursos temperados a melancolia, ouso dizer que sou adepto ao tempo em que a conquista se fazia de forma sublime, num jogo de mistério, palavras e expressões, onde ambos envolvidos eram desafiados a desvendar pensamentos e pequenas disparidades fisionômicas.

Hoje, pegando carona em sistemas que tornam a aproximação humana cada vez mais fácil, este evento torna-se tão efêmero quanto os relacionamentos resultantes dele. Consequência daquilo que vem fácil: este vai fácil, pois não é da natureza do ser humano dar valor à coisas que simplesmente brotam ao acaso.

Talvez por isso também perde-se toda a magia daqueles instantes, na certeza de muitos momentos como este. E sua singularidade fica banalizada, quase que como uma prática padronizada e cotidiana.

Corro o risco de ser taxado como antiquado. Mas sou fervoroso adepto daquele momento que soa como eterno. Onde cada segundo é decisivo, onde cada pergunta não tem resposta, onde cada ação tem um motivo, e onde cada som reverbera como poesia. Sou adepto da sutileza, da timidez contida, do enrubescer descontrolado, de poucas palavras repletas de significado. 

Apesar disto, a poesia na conquista ainda existe. Por isso, quando se deparar com um destes, desfrute-o como ele merece: um instante que ecoa nas veias de sua história.

Apenas um Olhar

Olhar que enfim se cruza
E desvia quando confrontado
Ato este que mal disfarçado
Deixa sua cabeça confusa
‘Ai meu Deus, será que foi notado’?
E com seu rosto todo corado
Ela finge pôr a sua blusa

Ele percebe porém
E atua sem se importar
Mas constante é o seu olhar
Com amigos comenta desdém
Enche o copo pra se embriagar
Fala alto e se faz notar
De vergonha olha pro chão também

Ela olha novamente
Desta vez o foco permanece
E seu corpo todo estremece
Com aquele olhar correspondente
Um sorriso tímido aparece
Manifesto este que padece
Ao garçom entrar na sua frente

Ele então sorri de canto
Semicerra os olhos por inteiro
Num olhar que quase sorrateiro
Pretende transparecer encanto
Charme este quase derradeiro
Quando se levanta ao banheiro

Tropeçando para o próprio espanto
Ela retém a gargalhada
E cochicha com a mulher ao lado
Pra manter o rosto camuflado
Do contato com sua risada
Bebe um gole do seu destilado
Não perdendo todo rebolado
Com firmeza desce a escada

Lá se esbarram então
Ele embaixo já ia subindo
Ela em cima o percebe vindo
Fica rápida a respiração
Ele sobe a escada sorrindo
Ela desce por fim consentindo
Num esbarrar sutil em sua mão.


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